sexta-feira, 20 de maio de 2011

O que fazer?

O que fazer da vida senão amores,
e desses amores a única esperança?!
O que fazer do tempo senão lembrança,
e dessa lembrança palavras em flores?!

O que fazer dos gozos senão dores,
e dessas dores solitária dança?!
O que fazer da solidão senão fragrância,
e dessa fragrância nítidos odores?!

O que fazer da paixão senão caminho,
e desse caminho perigosas rotas?!
O que fazer dessas linhas tortas?!

O que fazer do toque senão carinho,
e desse carinho o perdão mais forte?!
O que fazer da inevitável morte?!

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Depois...

Depois de amar como viveremos sem mentir?
Depois de sofrer como poderemos nos amar?
Depois de beber como acharemos nosso lar?
Depois de pensar como acreditaremos no devir?

Depois de parar como voltaremos a partir?
Depois de vender como faremos pra guardar?
Depois de ceder como conseguiremos mais lutar?
Depois de matar como resgataremos o sentir?

Depois de dormir como desejaremos acordar?
Depois de mudar como buscaremos entender?
Depois de perder como tentaremos disfarçar?

Depois de sair como indagaremos o ficar?
Depois de calar como fugiremos do viver?
Depois de morrer como encontraremos o olhar?

quinta-feira, 12 de maio de 2011

Um homem solitário


Noite após noite, todas de plúmbeas faces,
Aquele tristonho homem
Acompanhado da insônia branca
E da purpúrea solidão,
Aguarda notícias da amada.


II
“Quando sentirei o prazer da tua voz?”
Pensa após metálico salgado suspiro.
Mal sabe, o pobre homem, que duas vagarosas vozes
Talvez demorem uma vivida vida
Em tão amarga distância.
“Quando respirarei tuas palavras escritas?”
E o solitário homem ignora a insensatez
Das gotas de suave sangue
Em contraste com o parricídio do papel


III
Insônia após insônia, todas de amarela ironia,
Aquele homem egoísta,
Verdadeira e honestamente egoísta,
Em companhia do avassalador eterno
Tic-tac, tic-tac molestoso da morte,
Só consegue ver a sentença senil:
“Jamais tu poderás sofrer como sofro!”


sexta-feira, 6 de maio de 2011

Páginas Brancas

 

Olha: à tua volta há infinitos mundos
Repletos de insinuações em busca de palavras.
Mas não penses... ó como seria esplêndido
Conseguir pensar aniquilando os pensamentos.

Procura: são mil rosas multicores
Que tocam suaves à brisa de uma vida.
Não deixes que os devaneios nos tirem
Dessa deliciosa sensação de nuvem sem imagem.
A vida só existe para aqueles que conseguem ser tão leves que não pesam sobre ela.
E o resto é tudo aquilo que não mais queremos.

Sinta: a beleza só pode ser bela
Por não acharmos mais palavras para ela.
Destruas tudo que não se baste a si mesmo,
Mesmo aqueles teus alegres gestos de amor.
No fundo só é sincero o que fazemos de nós mesmos.
E poupem-me, por favor, de alusões humanitárias
Em tempos em que o humano é comércio virtual.

Edifica: o império que jamais será conquistado
Porque será só teu, defendido para o eterno,
Porém jamais percas a hospitalidade de anfitrião,
Saibas abaixar tuas inexpurgáveis portas quando te pedem socorro sutilmente:
Reparas que são as delicadezas mais seguras e despropositadas as mais aflitas almas deste mundo.

Goza: o tirano tempo não se submete livremente
Às tuas necessidades arbitrárias de ser vivo.
Somente se alargam os segundos para aqueles que se libertam dos aromas atraentes do passado.
Não faças dos mortos uma imortalidade
Que nem eles desejavam quando vivos.
E não se contentes em ser mais um pequeno rio
Que corre para o incontrolável mar:
Antes se construas em oceanos enigmáticos
Com suas caravelas e mariscos,
Sereias e lobos-do-mar,
Deuses e remoinhos,
E todo aquele enorme poder de ser simples oceano.

Esquece: todo o repertório de cão despercebido
Que só pode ser farejado por outro cão.
Tudo que foste,
Teus lamentos milenares,
Tuas indecisões e covardia,
Tuas percebidas ações que já se foram.
Não se estanques.
É tão razoável não sermos os mesmos nunca mais para momentos que jamais serão os mesmos.

Agarra: o primeiro raio do sol,
O trem que ao longe apita,
O perfume arriscado das mulheres,
O instante animal feroz,
A fruta do pomar alheio,
O risco de sofrer,
A noturna companhia solitária,
Tudo que passa e te dá prazer
E que só dá prazer porque passa.
E o resto é o triste intervalo
(da morte?)
(do tempo?)
(do Homem?)
(de deus?)
                  Tão necessário e inútil para preencher as brancas páginas da tua vida.