sou triste,
já falei muitas vezes que sou triste:
Triste como beato que espera o paraíso... morre, não encontra nada!
Triste como alcoólatra que pede vinho... embriagado, lhe servem água!
Triste como deve ser a tristeza: dura, corrosiva, metálica, transparente...
sim, eu sei,
não deveria me apaixonar:
Homens como eu não estacam no caminho... entrega, desesperam-se!
Homens como eu não seguem morais... subverte, choram!
Homens como eu se confortam em saber: as fugas da tristeza, maneiras diferentes de ser triste!...
tudo bem,
dize-me o que posso eu fazer:
Em mim o instinto vocifera... caninos, dominam-me!
Em mim derrota antecipada: peleja com a morte, batalha previamente perdida!...
mas fazer o quê,
eu não sou protegido por leis:
“É expressamente proibido mulheres belas... batom vermelho, Afrodites!”
“É expressamente proibido olhares lânguidos... suavidade, charmosas fêmeas!”
“É expressamente proibido o descumprimento do dito acima: sujeito à acusação de demasiado humano!”
e na verdade,
eu nem ligo pra nada disso:
Há derrotas mais honradas que vitórias... índios, massacraram-lhes!
Há dores mais profundas que sorrisos... Dostoievski, buscas internas!
Há sempre jeitos mais tolos de viver: feliz, limitado, vulgar, reto...
não, não,
só quero que não esperes isso:
Homens que não atrasam pagamentos... bons costumes, robotizados!
Homens que só amam a si mesmos... cofres de ouro, apoéticos!
Homens dos quais não possas dizer: “tipo-desgraçado-não-passa-segurança-alguma...”
sim, sim... apaixonado,
por estranho que te possa parecer:
Apaixonado como rosas pela mão... espinhos, sangue no papel!
Apaixonado como Sísifo pela pedra... castigo, absurdos inevitáveis!
Apaixonado como exige a paixão: violenta, utópica, devoradora, anulatória...
ah... eu já disse,
tu não entendeste, querida:
Quero-te como o dia quer a noite... ciclo, para se completar!
Quero-te como o suicida quer o fim... Van Gogh, imagens à posteridade!
Quero-te para placidamente dar-me: o genuíno se dar, aquilo que em nós transborda!...
é isso... mas não esquente,
peço, jamais se esqueças:
Sou triste como renúncias corajosas... palavras em brasa, amor não vivido!
Sim, triste como “Appassionata” do Beethoven... dor contida, tensão melancólica!
Eu sou triste ainda tendo lábios: tristeza fado na vida, transcendê-la só com paixão!...